Bruna Moura; Marina Amorim; Priscila Yukari Uezono Takeda; Simone V. P. do Vale.
Pressão na adolescência: precisamos falar sobre isso
Há alguns anos não era tão raro ouvir pais que, em tom de brincadeira, diziam que seus filhos deveriam ser trancados no armário até que a adolescência passasse. Além disso, geralmente, outros adultos (independentemente de serem pais) completavam a frase com a caracterização dos jovens como aborrecentes. Frequentes também eram os olhares de descontentamento de muitos adolescentes, quando presenciavam um diálogo desses. Os tempos passaram e, nos anos 2000, a banda Charlie Brown Jr. se fez como uma espécie de porta-voz da juventude e cantou que “O jovem no Brasil nunca é levado a sério”.
Consideramos que a adolescência é uma etapa complexa da vida de todo ser humano, e visões maniqueístas a respeito dos adolescentes não contribuem para potencializar um olhar atento e empático em relação aos aspectos característicos da vida deles. Assim, com este artigo pretendemos trazer contribuições acerca de um problema que nos parece ser usual: a pressão sentida pelos jovens de Ensino Médio.
Geralmente, é durante o Ensino Médio que o grupo de amigos passa a exercer maior influência na vida de cada adolescente, ou seja, a socialização com os pares ganha mais importância. Essa possibilidade de socialização, aliás, tem se ampliado por conta da tecnologia e das redes sociais.
A pesquisa TIC Kids Online Brasil, promovida anualmente desde 2012 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), na edição de 2017 verificou que 85% das 3.102 crianças e adolescentes (de 9 a 17 anos) utilizam Internet. Os resultados da pesquisa sinalizam que se mantém a predominância de atividades ligadas à comunicação e ao entretenimento, entre elas: enviar mensagens instantâneas (79%), assistir a vídeos on-line (77%), ouvir música na Internet (75%) e usar redes sociais (73%). Além disso, é importante ressaltar que 1 grande parte dos pesquisados acessa a Internet pelo telefone celular (o que também faz com que a frequência de uso seja ampliada ‒– O uso da Internet na frequência de mais de uma vez por dia foi maior entre os adolescentes de 15 a 17 anos (78%) e 39% dos usuários de 9 a 17 anos declararam ter visto formas de discriminação na Internet no último ano. O cyberbullying tem sido, inclusive, cada vez noticiado e debatido tanto pela mídia, quanto nas escolas.
Esses dados expostos na TIC Kids Online Brasil nos alertam para o fato de que os adolescentes podem se sentir mais pressionados a serem perfeitos, bem-sucedidos e felizes, uma vez que sabemos que as redes sociais têm sido um espaço de pessoas vitoriosas ‒– mesmo que isso seja apenas aparente. Outro aspecto bastante preocupante apontado na pesquisa é que em 2017, cerca de dois em cada dez usuários de Internet entre 11 e 17 anos (19%) declararam ter tido contato com formas para ficar muito magros(as), 15% com formas de machucar a si mesmo, 13% com formas de cometer suicídio e 10% com assuntos relacionados à experiência ou uso de drogas.
Não bastasse essa pressão mais típica da atualidade (materializada pela Internet), muitos adolescentes de Ensino Médio ainda convivem com a indecisão a respeito da carreira a escolher no vestibular ou no ENEM. Frases como “É difícil decidir o que fazer para o resto da vida com 16, 17 anos” não são nenhuma novidade para aqueles que convivem com estudantes dessa faixa etária.
Em estudo realizado com estudantes gaúchos de escolas públicas e privadas, Hutz e Bardagir (2006) mostram que a indecisão aparece como um fator intrínseco à escolha profissional e pode ser considerada positiva na medida em que permita a reflexão.
A ausência de diferenças nos níveis de indecisão profissional entre alunos de escolas públicas e privadas mostra que as possibilidades de acesso à informação profissional podem estar mais uniformemente disponíveis e outros fatores como o grande número de opções e a própria precocidade da escolha podem fazer com que as eventuais dificuldades em estabelecer uma preferência estejam afetando a esses adolescentes de forma semelhante. A maior diferença entre os alunos das redes pública e privada não é a capacidade de escolher ou não uma opção profissional, mas a forma como eles se sentem a respeito das próprias escolhas, como apontaram os índices de ansiedade e depressão. (HUTZ e BARDAGIR, 2006. p. 70).
Complementando os dados apresentados, em informativo online sobre a saúde mental do adolescente (atualizado em setembro de 2018), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) — escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas — traz que:
- Metade de todas as condições de saúde mental começam aos 14 anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada nem tratada.
- Em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre adolescentes.
- O suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos.
Enfim, essas poucas estatísticas e informações denunciam uma realidade preocupante e reforçam a importância de discutirmos com responsabilidade e clareza a pressão que o jovem sente, inclusive porque se sentir pressionado pode levá-lo a consequências sérias para ele, para as famílias e para a sociedade de modo geral (se pensarmos em âmbito mais amplo).
Desenvolvimento do cérebro adolescente
O processo de desenvolvimento do indivíduo é algo único e complexo. A adolescência é sabidamente uma fase marcada pela transição e mudanças que acarretam esse novo ciclo. Pensam e sentem como os adultos, porém o comportamento infantil ainda é uma característica presente nos jovens. Isso se explica devido ao amadurecimento mais tardio dessa parte do cérebro.
É nessa fase que o cérebro começa a ser verdadeiramente moldado. A adolescência é marcada por um aumento das conexões entre diferentes partes do cérebro. Ocorre então o fortalecimento e amadurecimento de algumas redes neurais e o abandono de outras, o que chamamos de “poda sináptica”. Essa plasticidade que o cérebro adolescente possui é muito importante para enfrentar as mudanças que estão por vir, tanto físicas, quanto sociais e até mesmo intelectuais. Além disso, a plasticidade abre espaço para crescimento e aprendizagem.
Estudos mostram (Jay Giedd, pesquisador do instituto NIMH) que há uma onda de maturidade que se inicia nas partes mais profundas e antigas, próximas ao tronco cerebral, como os centros de linguagem, e naquelas ligadas ao processamento de emoções como o medo. Depois, essa onda vai subindo rumo às áreas mais recentes do cérebro, ligadas ao pensamento complexo e à tomada de decisões. Essa evolução explica, em parte, porque nesse período da vida a impulsividade e os sentimentos são manifestados com tanta facilidade, sem passar pelo filtro da razão. Outro fator a ser levado em consideração quando se trata dessa explosão de sentimentos ou crises de tristeza profunda, é a grande produção de hormônios associada ao funcionamento do sistema límbico, mais especificamente na amígdala, o centro cerebral onde se processam as emoções. Inundado de hormônios é como se ele funcionasse em ritmo além do normal. Por isso se faz tão difícil o controle emocional nessa fase. É aqui também que eles se arriscam mais, isso porque há uma recompensa maior em potencial vinda de uma escolha arriscada do que para os custos dessa decisão, diferente de nós adultos.
Conclusão
Não é à toa que desde sempre a adolescência tem sido mal-compreendida. Até mesmo Shakespeare, em plena Inglaterra do século 17, denominava os jovens como “cérebros ferventes”. Embora nosso sentimento em relação à adolescência tenha 3 evoluído pouco, nossa compreensão das funções cerebrais e da real evolução do cérebro nessa época da vida evoluiu – e muito! Graças às novas tecnologias, principalmente às tecnologias de imagem feitas por ressonância magnética, os estudos científicos na área da neurociência comprovam que o adolescente ainda não é um ser totalmente maduro, principalmente no que se diz respeito ao seu cérebro. Há diversos estudos que comprovam tal teoria, como o estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Mental nos Estados Unidos que contou com cerca de 8 mil imagens de mais de 2 mil pessoas. Nesse estudo, vê-se mudanças claras nas imagens dos exames não só em 4 relação à massa cinzenta (referindo-se à “poda sináptica”), como também há mudanças significativas na massa branca do cérebro (referindo-se ao aumento de “mielina” nos axônios dos neurônios) ao longo de toda adolescência. As mudanças – e principalmente o refinamento – do cérebro nessa época da vida é inquestionável.
Além de todas essas mudanças físicas, os adolescentes encontram-se em pleno amadurecimento sócio-emocional. Eles visam se adequar e se posicionar frente a um mundo cada vez mais complexo – onde podemos argumentar que o uso extenso de tecnologias, como o das redes sociais, contribui para um quadro de complexidade ainda mais profunda. O adolescente de hoje não só lida com o mundo que o cerca diretamente, mas também com um mundo extenso e desconhecido, cuja magnitude ainda há de ser dimensionada. Conforme já foi apontado anteriormente, tal fato tem contribuído para um aumento significativo de casos de depressão, entre outras questões, do adolescente dos dias de hoje.
Assim, é imperativo que a discussão se amplie nas escolas e nos cursos de formação de professores, de forma a considerar esses aspectos e avanços científicos no que se refere aos estudos do desenvolvimento dos adolescentes. Ainda que envolvam situações delicadas (e até mesmo por isso), é fundamental que os professores conheçam as características do cérebro do adolescente e discutam, por exemplo, como o desenvolvimento cerebral pode influenciar os comportamentos dos jovens.
É necessário que as atividades pedagógicas prevejam debates e momentos em que a inteligência emocional seja trabalhada, para que os adolescentes possam expressar suas dúvidas e anseios, sem medo de julgamentos. Afinal, as emoções são biológicas, mas a forma como lidamos com elas é particular e, embora as funções executivas (controle inibitório, autorregulação emocional, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho) não estejam completamente amadurecidas até os 30 anos, elas devem ser estimuladas bem antes da fase adulta. Embora encontrem-se em meio de um turbilhão de mudanças físicas, hormonais, emocionais e também sociais, é durante a adolescência que os seres vivos traçam seu futuro como adultos. Da mesma maneira que os lobos durante a fase da adolescência se desgarram de suas matilhas familiares para desbravarem-se em novas aventuras e construir suas próprias matilhas, os jovens humanos também se encontram na posição de se aventurar, de enfrentar o mundo e suas normas estabelecidas, de criar seus próprios valores e modificar o seu ambiente.
Referências
Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). 2018. Pesquisa sobre o Uso da Internet por Crianças e Adolescentes no Brasil – TIC Kids Online Brasil 2017. Disponível em: https://www.cetic.br/media/analises/tic_kids_online_brasil_2017_coletiva_de_imprensa.pdf. Acesso em: 07 mai. 2019.
Hutz, Claudio Simon; Bardagir, Marúcia Patta. 2006. Indecisão profissional, ansiedade e depressão na adolescência: a influência dos estilos parentais. Psico-USF, v. 11, n. 1, p. 65-73, jan./jun. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712006000100008. Acesso em 07 mai. 2019.
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS – Brasil) .Folha informativa – Saúde mental dos adolescentes. 2018. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5779:folha-inform ativa-saude-mental-dos-adolescentes&Itemid=839. Acesso em: 15 mai. 2019.
Revista Educação. https://www.revistaeducacao.com.br/como-funciona-o-cerebro-do-adolescente/. Acesso em 18 de maio de 2019.
Rosenberg, Monica; Casey, B.J.; Holmes, Avram J. 2018. Prediction complements explanation in understanding the developing brain. Nature Communications, volume 9. Artigo 589. Disponível em: //www.nature.com/articles/s41467-018-02887-9