A Neurociência da leitura
Esse é um artigo que escrevi para a edição 81 da Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa. Para ter acesso a revista e ao artigo completo, acesse o link:
https://www.escala.com.br/lingua-portuguesa-e-literatura-ed-81-p1347/
Neurociência e leitura
Ler não é algo que nosso cérebro nasce para fazer. Embora tenhamos uma capacidade inata de ouvir sons e ver imagens, para nossos ancestrais essas habilidades foram usadas para encontrar comida e atentar-se para possíveis perigos. Escrever em si é uma convenção feita pelo homem; nossos cérebros não estão preparados para criar palavras escritas ou decodificá-las. Essas são habilidades aprendidas. Só com essa informação já fica claro, porque aprender a ler é algo que exige muita dedicação.
Há muitas regiões do cérebro envolvidas na leitura eficiente. Quando lemos há o estímulo e ativação de um importante número de processos mentais, entre os quais se destacam a percepção, a memória e o raciocínio.
Entre as muitas áreas ativadas na leitura destacamos: os lobos occipital, parietal e temporal, ativados para ver e reconhecer o valor semântico das palavras, ou seja, o seu significado, além do processamento e discriminação dos sons. A área de Broca, encontrada no lobo frontal esquerdo, que tem a função de governar a produção da fala e a compreensão da linguagem. O giro angular e o supra-marginal, responsáveis por ligar diferentes partes do cérebro para que as formas das letras possam ser combinadas para formar palavras e o córtex frontal motor, ativado quando evocamos mentalmente os sons das palavras que lemos.
As memórias evocadas pela interpretação do que foi lido ativam poderosamente o hipocampo e o lobo temporal. As narrativas e os conteúdos sentimentais do texto, seja ele ficcional ou não, ativam a amígdala e outras áreas emocionais do cérebro. O raciocínio sobre o conteúdo e a semântica do que foi lido ativa o córtex pré-frontal e a memória de trabalho, que é a que usamos para resolver problemas, planejar o futuro e tomar decisões. Estudos mostram que a ativação regular dessa área do cérebro desenvolve não apenas a capacidade de raciocinar, como também, a inteligência das pessoas.
Em suma, a leitura é um dos melhores exercícios possíveis para a memória e para manter as capacidades mentais ativas e estimuladas. Por isso, destacamos alguns motivos para você investir nessa prática.
Estímulo mental
Estudos mostram que permanecer mentalmente estimulado pode retardar o progresso e reduzir os riscos de Alzheimer e demência. Isso porque o nosso cérebro tem um sistema de “use ou perca”, o que significa que as informações raramente acessadas e os comportamentos pouco usados causam uma diminuição dessas vias neurais até que as conexões possam ser completamente perdidas em um processo chamado “poda sináptica”. De fato, podemos contribuir inconscientemente para o declínio do nosso cérebro, sem desafiá-lo e atividades como a leitura estimulam o cérebro ativamente.
Redução de estresse
Você já reparou como o estresse diminui quando você se perde em uma boa leitura? Caso não, vale a tentativa. Se você está procurando uma maneira de aliviar o estresse, pegue um livro e deixe sua mente esquecer seus problemas por um tempo.
De acordo com um estudo, a leitura reduz os níveis de estresse em até 68%, números maiores do que ouvir música, tomar uma xícara de chá, jogar videogame ou passear. Os pesquisadores observaram que os participantes envolvidos em apenas seis minutos de leitura experimentaram batimentos cardíacos mais lentos e tensão muscular reduzida. Para um dos autores do estudo não importa qual livro você lê, já que ao se perder em um livro completamente cativante, você pode escapar das preocupações e tensões do mundo cotidiano e passar um tempo explorando o domínio da imaginação do autor. Isso é mais do que meramente uma distração, mas um engajamento ativo da imaginação, pois as palavras na página impressa estimulam sua criatividade e fazem você entrar no que é essencialmente um estado alterado de consciência.
Habilidades sociais aprimoradas
Para alguns, a leitura de livros é uma maneira de escapar do mundo real. Curiosamente, pesquisas mostram que a leitura pode realmente melhorar as habilidades sociais e ajudá-lo a lidar com essas pessoas. Um estudo descobriu que indivíduos que lêem ficção podem aumentar significativamente a capacidade de entender os estados mentais, crenças, desejos e pensamentos diferentes dos outros. Trata-se de uma habilidade essencial para relacionamentos sociais. Outro estudo constatou que os indivíduos que lêem ficção obtiveram maior pontuação nos testes de empatia do que aqueles que lêem não-ficção.
Melhoria da memória
Quando você lê, seu cérebro está fazendo muito mais do que apenas decifrar palavras em uma página. Ler é mais exigente neurobiologicamente do que processar imagens ou fala. É um treino neural. Enquanto você lê, partes distintas do seu cérebro – como visão, linguagem e aprendizado associativo – trabalham juntas.
A leitura, pode ajudar a proteger a memória e as habilidades de pensamento, especialmente à medida que envelhecemos. Pesquisadores sugerem que ler todos os dias pode retardar o declínio cognitivo no final da vida e diminuir a taxa de deterioração da memória e de outras capacidades mentais essenciais.
Melhor sono
Criar um ritual a noite é uma boa estratégia para pegar no sono e a leitura pode ser uma ótima companheira. Ler um livro não estressante sob uma luz suave pode fazer parte dessa rotina, mas escolha seu livro com sabedoria, já que fortes emoções ou grandes aventuras impressas no livro, podem ter o efeito inverso.
Além disso, alguns estudos mostram que a leitura de livros físicos apresentam benefícios, quando comparados às telas que podem mantê-lo acordado por mais tempo e atrapalhar seu sono.
Isso se aplica especialmente às crianças. Cinquenta e quatro por cento dos pequenos que dormem perto de uma tela pequena tem o sono diminuído em média de 20 minutos, de acordo com pesquisa.
Considerações finais
Indiscutivelmente, a leitura faz bem para o cérebro. Sem falar na satisfação e no bem-estar proporcionado pelo conhecimento adquirido e como esse conhecimento se transforma em memória, que é o que temos como resultado da experiência. Cada pessoa deve escolher o tipo de leitura que mais a motiva e convém. As crianças devem ser estimuladas a ler com leituras adequadas às suas idades e os mais velhos devem providenciar toda a assistência que suas faculdades visuais necessitem para continuar lendo e mantendo seu cérebro estimulado à medida que envelhecem. Uma razão a mais para continuarmos a ler é a crença plausível de que não somos realmente velhos até que não comecemos a sentir que já não temos nada de novo para aprender.
Notas finais: O livro é um instrumento acessível e barato para o estímulo cerebral e que proporciona um excelente custo/benefício em todas as fases da vida, razão pela qual deveriam ser incluídos na educação desde a primeira infância e mantidos durante toda a vida.
Referências
How fiction might improve empathy. Disponível em https://www.medicalnewstoday.com/articles/311773.php#1.
KIDD, David Comer., CASTANO, Emanuele. Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind. Sciencexpress, 2013.
Reading “can help reduce stress”. Disponível em https://www.telegraph.co.uk/news/health/news/5070874/Reading-can-help-reduce-stress.html.
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Muito bom!